Sempre que provo um Malbec me
vem a observação feita certa vez em Mendoza pelo enólogo Ruben Sfragara, na
época piloto-mor da vinícola Alta Vista. Sfragara é profissional das antigas,
no trecho desde os idos de 80, quando a Argentina, inspirando-se no exemplo dos
produtores californianos do Napa Valley, iniciou o processo de renovação de sua
indústria do vinho. Testemunha presencial do antes e do depois, ele tem opinião
firme sobre o porquê da escolha da uva Malbec como carro-chefe da vinicultura
do país.
Sfragara suspeita que a opção
aconteceu por estratégica influência dos franceses, interessados em evitar
concorrência às variedades viníferas nas quais se destacam. Embora originária
da França, utilizam-na pouco por lá. O clima não ajuda. Assim, para os franceses,
melhor ver Mendoza exportando rios de Malbec do que de Cabernet Sauvignon,
Syrah ou Pinot Noir, cepas nas quais são campeões.
Se Sfragara tinha razão, foi o
certo por linhas tortas. Os tais rios de Malbec se tornaram realidade, já que a
variedade, avessa a céus nublados e excessos de umidade, encontrou nas alturas
de Mendoza condições ideais. O clima é desértico, chove pouco, mas água não
falta, via irrigação que o degelo das neves da cordilheira proporciona. E os
dias ensolarados asseguram a sanidade das frutas e seu correto amadurecimento.
O vinho exibe densa cor
púrpura, aromas sugerindo morangos, ameixas, não raro frutas em compota, na
boca redondo, taninos suaves, levemente adocicados. Nenhuma complexidade. Sob
medida para mercados jovens como o nosso, que pedem vinhos fáceis de beber e
entender. E com a vantagem de ser um tinto amigo de quase todas as cozinhas, do
bacalhau da Camponesa do Minho às costeladas do Nick, passando pelas pizzas da
Bresser, o churrasco do Erwin ou as massas do Bologna.
Mendoza detém a maior extensão
de vinhedos de Malbec – 40 mil hectares, contra, por exemplo, os 13 mil da
França. O vinho é presença obrigatória nos catálogos das bodegas, com qualidade
mais ou menos estável entre os produtores. Nas harmonizações à mesa vão melhor
os rótulos de padrão médio e teor alcoólico moderado, em torno dos 13°.
Destacam-se aí os da Achaval Ferrer, Luigi Bosca, Catena, Zuccardi, Felipe
Rutini e Terrazas de los Andes. Também os da Norton, O. Fournier e Álamos. Os
preços costumam ser acessíveis, na faixa dos R$ 50. Já para os apreciadores de
vinhos mais densos, encorpados, existem Malbecs de vinhedos únicos e com
estágio mais longo nas barricas de carvalho. Três especiais: o Afincado da
Terrazas de Los Andes, o Catena Zapata e o Finca Altamira La Consulta da
Achaval Ferrer. Os preços, aqui, ultrapassam a barreira dos R$ 200.
Mas, diga Ruben Sfragara, se
não fosse Malbec, o que seria? “Cabernet Sauvignon”, foi a pronta resposta. A
Argentina, de fato, tem excelentes tintos dessa variedade, vide os da Zuccardi
e Luigi Bosca. Sucede que Chile, Califórnia (EUA) e os muitos países europeus
também têm. No caso, ao invés de desfilar com um vinho exclusivo, nossos
hermanos seriam apenas mais um no mercado. Vê-se que o Malbec não foi tão mau
negócio assim.
Luiz Carlos Zanoni, colunista
da Revista IDEIAS.
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